Sir Richard Francis Burton 1864
Militar, linguista, aventureiro, antropólogo, espião, explorador, diplomata, tradutor e escritor – 1864.

Quem foi Richard Francis Burton?

Figura bastante conhecida dos historiadores brasileiros mas pouco conhecida do grande público (cuja resposta à pergunta “quem foi Richard Burton” invarivelmente tem como resposta o famoso ator britânico), Sir Richard Francis Burton foi um explorador inglês do século 19, famoso não somente por suas habilidades e aventuras mas também por ter sido uma figura muito controversa. Tivesse ele também seguido carreira acadêmica, teria sido um perfeito exemplo de Indiana Jones da vida real (Sean Connery, que fez o papel do pai de Jones em “A Última Cruzada”, abertamente se inspirou em Burton para compor seu personagem). Famoso por ter ido a Meca disfarçado de peregrino afegão e por ter explorado a Africa central em busca da nascente do rio Nilo junto com John Hanning Speke, Burton também foi o primeiro europeu a avistar o lago Tanganyika.

Como se não bastasse tudo isso, apesar de nunca ter sido considerado um grande escritor ou poeta, Burton escreveu dezenas de livros e traduções, ficando conhecido (e horrorizando a sociedade da época) pelas suas edições não expurgadas de “Kama Sutra” e “As Mil e Uma Noites” e pela sua obsessão por enormes quantidades de anotações e comentários que se tornaram de grande valia para estudiosos das regiões e povos que visitou em sua vida. Burton era um grande admirador de Luís de Camões e fez uma tradução de “Os Lusíadas” que ainda está disponível atualmente.

De interesse especial para os brasileiros é o fato do explorador ter vivido no Brasil por alguns anos, servindo como cônsul em Santos (mas preferindo morar em São Paulo). Como era seu costume, viajou bastante pelo país, incluindo o interior de Minas Gerais, região costeira paulistana e fazendo inclusive uma famosa jornada de canoa ao longo do rio da Velhas e rio São Francisco, cujo relato virou livro. Soldado, linguista, agente do império (ou do imperialismo, como irão preferir alguns) britânico, aventureiro, diplomata, escritor, Burton também colecionava diversos defeitos (seu apelido era “Ruffian Dick”) comuns aos homens de sua época (estamos falando da Inglaterra na era vitoriana) e de muitos seres humanos ainda nos dias de hoje, mas depreende-se de suas biografias (e mesmo de seus críticos) que não era uma pessoa intrinsecamente desonesta nem cruel. Era um crítico feroz de tudo e de todos, uma pessoa chegada ao confrontamento, um “criador de casos”, ambíguo, contraditório, muitas vezes um exagerado contador de histórias, mas que teve interesse genuíno e profundo nos povos e culturas que conheceu.

Fatos

Sir Richard Francis Burton, K.C.M.G, F.R.G.S, nasceu em 1821 em Torquay, na Inglaterra. Passou boa parte da infância e juventude na França e Itália, voltando à Inglaterra para estudar em Oxford no intuito de, por força do pai, se tornar clérigo. Expulso da universidade, alistou-se no exército da Companhia Britânica das Índias Orientais em 1843 e seguiu para Bombaim, Índia. Teve um único casamento com Isabel Arundell (1831-1896), mulher de espírito independente (principalmente para os padrões da época) e que foi editora de várias de suas obras. Seu último e longo posto como diplomata foi em Trieste, onde faleceu, em 1890. Ele e a esposa repousam no cemitério da igreja católica St. Mary Magdalen em Mortlake, Londres.

Alguns fatos curiosos:

  • Desde a infância além de ter um talento muito grande para procurar encrencas, tinha também um talento excepcional para línguas. Dão crédito a ele ter aprendido cerca de 29 idiomas ao longo de sua vida.
  • Mesmo tendendo ao ceticismo e um tanto cínico, teve profundo interesse em assuntos místicos e religiosos durante toda a sua vida. Amigos próximos afirmavam que Burton morreu ateu.
  • Se tomarmos como base alguns de seus escritos, aparentemente tinha compaixão por alguns animais. Gostava muito de cachorros.
  • Como soldado, explorador e depois consul britânico, sempre foi muito prolífico e seus livros estão repletos de observações e comentários pessoais sobre geografia, economia, línguas, costumes tribais e religiosos dos lugares por onde passou. Também era muito meticuloso em seus livros com relação às referências que utilizava.
  • Foi um dos primeiros não-muçulmanos a visitar a Meca, supostamente disfarçado de peregrino dervixe.
  • Quase foi morto por bandidos em Berbera, Somalilândia, quando foi gravemente ferido no rosto por uma lança (você pode, em fotos, ver uma grande cicatriz no lado esquerdo do rosto dele).
  • Foi o primeiro europeu a visitar a cidade proibida de Harar, na Etiópia.
  • Foi o primeiro europeu a ver o Lago Tanganyika (claro que além dos nativos locais, comerciantes árabes já conheciam o lago há centenas de anos ou mais).
  • O filme “As Montanhas da Lua” (Mountains of the Moon, 1990), assim como o livro em que foi baseado, mostra de forma romanceada e com muitas “liberdades artísticas” as duas primeiras viagens na Africa e a parceria-rivalidade com John Speke na busca da nascente do rio Nilo.
  • Foi um dos primeiros tradutores para a língua inglesa de “Os Lusíadas”, “Kama Sutra” e “As Mil e Uma Noites”.
  • Foi cônsul no Brasil, morando com a esposa em Santos e em São Paulo. Por duas vezes visitou campos de batalha da Guerra do Paraguai. Explorou o Rio São Francisco. Chegou a visitar e fazer pesquisas na biblioteca da Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco em São Paulo.
  • Richard e Isabel eram amigos de José de Alencar e sua esposa Georgina Cochrane (brasileira filha do médico inglês Thomas Cochrane).
  • Suspeita-se que seja o verdadeiro ou o principal autor da tradução de “Iracema” oficialmente atribuída a sua esposa Isabel.
  • Muitos suspeitavam que Burton ainda pudesse “ainda” ser, talvez secretamente e de modo ambíguo, muçulmano quando veio a falecer. Mas amigos pessoais afirmavam que no final da vida ele era ateu. Burton ele mesmo frequentemente dizia que era agnóstico.
  • Lady Isabel Burton é acusada por alguns autores de ter queimado a maior parte dos arquivos do marido com o suposto intuito de proteger sua imagem. A autora do livro “A Rage for Life“, Mary S. Lovell questiona o suposto alcance desta destruição.
  • O mausoléu onde ele e a esposa estão tem o formato de uma tenda de beduíno, com símbolos cristãos e, de forma muito pouco disfarçada, islâmicos. Foi construído a mando de Isabel, logo após Richard ter falecido.
Mausoléu Richard Francis Burton e Isabel Burton, cemitério da igreja St. Mary Magdalen em Mortlake, Londres.
Mausoléu de Richard e Isabel Burton, cemitério da igreja St. Mary Magdalen, em Mortlake, Londres

Cronologia

Como soldado ou explorador passou por Bombaim (atual Mumbai, Índia), pela província do Sindh (atualmente no Paquistão), Medina e Mecca (Império Otomano, atualmente Arábia Saudita), Harar (Etiópia), Berbera (Somalilândia Britânica), Constantinopla (procurando ação, que não encontrou, na Guerra da Criméia) e atravessou a Tanzânia em busca da nascente no Nilo. Fez uma viagem de sete meses aos Estados Unidos (Salt Lake City). Como cônsul passou pela ilha de Fernando Pó (Espanha, atualmente Bioko, Guiné Equatorial), Santos e São Paulo (Brasil), Damasco (Império Otomano, atualmente Síria) e Trieste (Império Austro-Húngaro, atualmente Itália).

1821-1841 Inglaterra, França, Itália, Trinity College, Oxford

1842 – Soldado da Companhia Britânica das Índias Orientais na região do Sindh. A primeira guerra anglo-afegã termina antes que ele consiga partipar dela.

1853 – Disfarçado de peregrino muçulmano viaja até Medina e Meca, conseguindo adentrar a Kaaba.

1854 – 1855 – Somalilândia: visita a cidade proibida de Harar; sofre ataque em Berbera onde é gravemente ferido.

1856 – Em Constantinopla na tentativa, frustrada, de obter experiência de combate na Guerra da Criméia.

1857 – 1859 – A busca pela nascente do Nilo e a rivalidade com John Speke.

1860 – Viagem a Salt Lake City, Estados Unidos e contato pessoal com Brigham Young.

1861 – Casamento com Isabel Burton, Cônsul na ilha de Fernando Po (atual Bioko).

1865 -1868, Cônsul no Brasil.

1870 – Cônsul em Damasco.

1872 – 1890, Cônsul em Trieste. Falecimento.

Livros e Filmes sobre Sir Richard Francis Burton

Biografias ( * mais conhecidas )
Sir Richard Francis Burton e la sua cerchia, by Michael Walton (Pordenone, L’Omino Rosso, 2017) – não encontrei informações sobre a edição original em inglês.
Paths Without Glory: Richard Francis Burton in Africa, by James L. Newman – 2009
The Tangled Web: A Life of Sir Richard Burton, by Jon R. Godsall – 2008
A Rough Knight For The Queen, by Phillip José Farmer – 2006 (manuscrito escrito em 1953)
The Highly Civilized Man: Richard Burton and the Victorian World, by Dane Keith Kennedy – 2005
* A Rage to Live: A Biography of Richard and Isabel Burton, by Mary S. Lovell – 1998
* Captain Sir Richard Francis Burton, The Secret Agent Who Made the Pilgrimage to Mecca, Discovered the Kama Sutra, and Brought the Arabian Nights to the West, by Edward Rice – 1990. Essa biografia foi a única publicada no Brasil, a última edição pela Companhia de Bolso (Companhia das Letras).
From the Sierras to the Pampas: Richard Burton’s Travels in the America, by Frank McLynn – 1991
Burton: Snow Upon the Desert, by Frank McLynn – 1990
Burton: A Biography of Sir Richard Francis Burton, by Byron Farwell – 1988
Burton: Ambre et lumière de l’Orient (L’appel du Proche-Orient: Richard Francis Burton et son temps, 1821-1890), by Jean-François Gournay – 1983
Sir Richard Francis Burton: A Biography, by Michael Hastings – 1978
* The Devil Drives: A Life of Sir Richard Burton, by Fawn McKay Brodie – 1967
Death Rides a Camel: A Biography of Sir Richard Burton, by Allen Edwards – 1963
That Blackguard Burton!, by Alfred Bercovici – 1962

The Arabian Knight – A Study of Sir Richard Burton, by Seton Dearden – 1953 (2nd edition) (pode ser o mesmo que o livro abaixo abaixo)
Burton of Arabia: The Life Story of Richard Francis Burton, by Seton Dearden – 1937
Richard Burton: Explorer, by Hugh J. Schonfield – 1936
The Life of Sir Richard Burton, by Thomas Wright – 1906
The True Life of Sir Richard F. Burton, by Georgiana M. Stisted – 1896
* The Life of Captain Sir Richard F. Burton, by Isabel Burton – 1893
Richard F. Burton, K.C.M.G.: His Early, Private and Public Life with an Account of his Travels and Explorations, Francis Hitchman -1887

Estudo sobre o caso envolvendo Burton and Speke
River of the Gods: Sir Richard Burton, Sidi Mubarak Bombay, John Hanning Speke, and the Epic Search for the Source of the Nile, by Candice Millard – 2022
The Sad Story of Burton, Speke, and the Nile; or, Was John Hanning Speke a Cad: Looking at the Evidence, by W.B. Carnochan – 2006

Especulação Histórica
The Lost Expedition of Sir Richard Francis Burton (Secret Missions Book 2), by Walter Bosley – 2015

Ficcionalização
The Collector of the Worlds, by Ilija Trojanow – 2006
Burton and Speke, by William Harrison – 1982 (edições mais recentes adotaram o título “Mountains of the Moon”, título do filme baseado nesse livro)

Vídeos e Filmes

Mountains of the Moon, (As Montanhas da Lua) filme baseado no livro de William Harrison, dirigido por Bob Rafelson com Patrick Bergin como Burton e Iain Glein como Speke – 1990
The Search for The Nile, mini-série da BBC sobre a busca da nascente do rio Nilo por exploradores britânicos do século 19 – 1971

O’Hanlon’s Heroes (Season 2) – Sir Richard Francis Burton segment

O’Hanlon’s Heroes (Season 2) – documentário apresentado por Redmond OHanlon sobre heróis da era vitoriana, trecho sobre Richard Burton, BBC – 2011.

The Victorian Sex Explorer – Sir Richard Francis Burton

The Victorian Sex Explorer, documentário apresentado pelo ator Rupert Everett. Channel Four – 2008

Links Úteis, Referências

Burtoniana.org
Wikipedia – Richard
Wikipedia – Isabel

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